Narcisismo Digital
Bem … não é de hoje que não vou com a cara do Narcizo [1]. 😉
Exatos 35 anos atrás, “Narciso” estava a minha frente personificado num cara de quase 1,90 m e, não lembro-me por qual cargas d’água, resolvemos nos entender pelas vias de fato, levando abaixo uma parede divisória e caindo abraçados no meio de uma sala repleta de mesas de escritório, com as cadeiras ocupadas por testemunhas. Veja bem, isto transcorreu num Estágio Preparatório de Corpo de Tropa e, por sorte, atiraram “panos quentes” no ringue improvisado. Levamos um baita esporro, ganhamos um boleto para cobrir os prejuízos e, na minha cabeça, fomos aliviados da expulsão, em consideração ao investimento já despendido na formação dos dois cadetes – brigões – do 4º ano da AMAN.
Esta história verídica não se enquadra como motivo de orgulho (não vale likes); até então, revelada somente aos amigos mais próximos para retratar cabeçadas homéricas por qual já passei. Mas a trouxe à tona, por querer fazer um paralelo entre a realidade e o narcisismo digital.
A realidade é maravilhosamente imperfeita e sujeita à falhas, dando-nos margem ao equilíbrio dentre erros (imperfeições) e acertos (virtudes). E gente … o erro (sentido na pele) é a mais profícua fonte para obtenção do conhecimento. Acredito – não deve ser só eu – que de forma alguma devamos buscar propositamente a falha (seria mero masoquismo), mas na prova diária da vida, as questões que não gabaritamos, acabam sendo as mais prósperas para fixar o aprendizado.
Que tal impulsionar sua capacidade de aprendizado? Olhe ao seu redor, observe as experiências alheias, saiba ouvir de fato, leia bons livros e interaja! Porém tem um pequeno detalhe, permitam-me parafrasear uma célebre frase: “refletir é preciso, sentir não é preciso”. Vou explicar, o sentir (não é exato) é algo relativo à capacidade de percepção e perspectiva de visão de cada um de nós; já a reflexão empática pode conduzir a um novo patamar de autocompreensão.
Agora, que negócio é este de narcisismo digital? Segundo Marilena Chauí [2] é uma consequência do estreitamento do mundo (no espaço e no tempo) a uma minúscula tela de celular, promovendo uma mutação civilizacional que está nos levando à servidão (prisioneiros tecnológicos). Peraí, peraí, minha “safra” também sobreviveu aos pavores do surgimento da televisão, que iria “zumbizar” nossa geração inteira. Fomos crias do Pica-pau, Tom&Jerry, dos Smurfs (um pouco depois) e Teletubbies (esta desgraça já não pegou minha infância).
Por favor, menos teoria da conspiração e mais pé no chão. Mas, de fato, há algo errado: estamos (sociedade) sofrendo uma dor aguda de egocentrismo virtual:
- crença de que só se existe se for visto e reconhecido;
- busca pela autoconstrução de uma imagem “perfeita” e “iluminada”;
- publicação de momentos íntimos para fazer parte da sociedade do espetáculo;
- auto-estima e humor atrelados a quantidade de “curtidas” recebidas;
- isolamento do mundo real em favor da explosão indiscriminada de inputs digitais; e
- desprezo a pessoa presente fisicamente, frente ao “outro” que esteja online.
O “Narciso digital” acha feio o que não é holofote pra si, perdendo a verdadeira essência do momento para se fazer “bombar” nas redes sociais. Este estilo de vida tem algum valor real? Pra alguns é o canal da fama e sucesso, pois trata-se do autorreflexo existencial: distorcido, cuspido e polido pelos paranóicos seguidores de plantão (corações vazios).
Registro de provocações nas entrelinhas, mordiscando bem miudinho pra ninguém se zangar:
- [1]
- Só pra retificar e me retratar com o amigo Narcizo, depois do ensinamento de que nada se resolve no braço, nunca mais nos vimos para um abraço fraterno, nem virtual. O contratempo foi com o Narcizo (pessoa); apesar de que – naquela conturbada idade – o verdadeiro combate, possivelmente, deveu-se ao ainda indomado narciso interior.
- [2]
- Não me alinho ao pensar social e político desta escritora/filósofa; no entanto, assisto e leio algumas de suas elucubrações.
“Era digital …
Tanta gente ON com o coração OFF.
Muito TOUCH na tela e pouco TOQUE na pele.
Muitas VISUALIZAÇÕES no Facebook e poucos olhares FACE A FACE.
Muitas CURTIDAS no Instagram e pouco se CURTE cada instante da vida.“
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